O Talibã disse neste domingo (29) que vai autorizar a presença de mulheres nas universidades durante seu governo, mas estudando separadas dos homens. O grupo fundamentalista islâmico, que voltou ao poder no Afeganistão após 20 anos, havia prometido não proibir meninas e mulheres de frequentarem a escola, como fez em seu regime anterior.
“O povo do Afeganistão continuará tendo ensino superior de acordo com as regras da sharia [lei islâmica] que proíbe classes mistas”, disse o ministro do Ensino Superior do Talibã, Abdul Baqi Haqqani, em uma assembleia com membros do alto escalão do grupo.
Ele disse que o Talibã exige “a criação de um programa educacional razoável que seja consistente com nossos valores islâmicos, nacionais e históricos e que, por outro lado, seja capaz de competir com outros países”. Meninos e meninas também devem ser segregados nas escolas primárias e secundárias.
A permissão, ainda que sob influência da sharia, está dentro do discurso de moderação que o grupo tenta emplacar. A mudança de atitude, porém, é vista com ceticismo. Segundo uma estudante que trabalhou na cidade universitária durante o último governo, não havia mulheres na reunião -o ministro falou apenas com professores e alunos do sexo masculino.
Para ela, isso mostra a prevenção sistemática da participação das mulheres nas decisões e a distância entre as palavras do Talibã e suas ações. O número de universitários aumentou nos últimos 20 anos, principalmente entre mulheres que estudam com homens e participam de seminários ministrados por professores do sexo masculino.
Desde que se pronunciou pela primeira vez após a tomada de poder, o grupo fundamentalista trabalha em uma campanha para tentar convencer o país e o mundo de que não repetirá no governo o regime atroz que comandou de 1996 a 2001.
Na sua primeira entrevista coletiva desde a tomada de Cabul, o porta-voz Zabihullah Mujahid disse que o Talibã quer paz, negou represálias contra antigos adversários e afirmou que os direitos das mulheres serão protegidos -mas a ressalva, dentro do “arcabouço do Islã”, já estava clara nesse primeiro pronunciamento.
Nesta época, a declaração de Mujahid foi reforçada por uma fala de Enamullah Samangani, membro da comissão cultural do Talibã, a jornais paquistaneses. “O Emirado Islâmico não quer que as mulheres sejam vítimas. Elas devem estar na estrutura do governo de acordo com a sharia.” Apesar das garantias, não estava claro como seria essa estrutura.
No passado, a interpretação radical da lei islâmica levou a extremos em regiões controladas por grupos como o Talibã, o Estado Islâmico ou o governo da Arábia Saudita. Sob o governo do grupo fundamentalista no Afeganistão, por exemplo, mulheres eram alvo prioritário da repressão brutal.
Ainda que haja gradações diferentes de aplicação, por via de regra as mulheres são relegadas a papéis subalternos na vida pública e elevadas à condição de “rainhas do lar”. No poder, o Talibã levou esse aspecto ao paroxismo. A educação de meninas tinha de ser feita em casa, não havia saúde pública para mulheres e os corpos totalmente cobertos por burcas simbolizavam ao Ocidente tal repressão.
As burcas são tradicionais entre pashtuns, a etnia majoritária do Afeganistão à qual o Talibã pertence, mas sua obrigatoriedade chocou o mundo. Na prática, elas seguiram sendo usadas por muitas mulheres nos últimos 20 anos, principalmente fora de Cabul. O Talibã afirmou que iria exigir o uso de hijab, o véu que cobre a cabeça e os ombros e deixa o rosto à mostra.
Ao longo das duas décadas de presença ocidental, houve avanços. Escolas e hospitais abriram para mulheres, elas integraram as Forças Armadas e a polícia, e os EUA gastaram US$ 780 milhões em programas de inclusão.
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